segunda-feira, 11 de outubro de 2010

De Honestino aos dias atuais...

Estudantes protagonizaram as manifestações políticas que conduziram ao retorno e à consolidação da democracia brasileira após o golpe de 1964










Por: ALESSANDRA GERMANO E FLÁVIA UMPIERRE, portal: Plano Brasília

É oriundo do jovem querer mudar o mundo. Motivados por bandeiras educacionais e lutas ideológicas, os jovens passaram a se preocupar com as políticas nacional e internacional, e tiveram grande importância em vários episódios da história política e democrática do Brasil. A partir de 1964, os estudantes lutaram contra a ditadura militar. Os carapintadas lutaram pelo impeachment do ex-presidente Fernando Collor. Agora, porém, é muito diferente, sob influência ou não de ideologias partidárias, hoje vemos um movimento mais espontâneo e menos radical, fruto da diversidadede culturas e interesses. Como as manifestações estudantis que deram visibilidade ao escândalo e lançaram o movimento "Fora Arruda".

Estudantes contra a ditadura e repressão

Por mais que se tenha discutido sobre os acontecimentos desse período, do movimento estudantil
de Brasília pouco se falou. Mas foi aqui que se travou uma das batalhas mais intensas contra o regime
ditatorial.

As características mais marcantes do movimento na capital da República eram a repressão duríssima e
a radicalização espontânea. Brasília ainda era uma cidade recém-nascida, sem identidade cultural definida, que tinha vivido apenas quatro anos sob o regime democrático. Instituições como a Universidade de Brasília (UnB), o Centro Integrado de Ensino Médio (CIEM) e o Centro de Ensino
Médio Elefante Branco (CEMEB) estavam entre as mais politizadas e engajadas no combate contra o
regime militar. Vale ressaltar que os estudantes do CIEM e do CEMEB eram apenas secundaristas, entre 13 e 15 anos.

O golpe militar ocorreu num dos períodos mais férteis para a educação brasileira. A própria UnB, fundada em 1961, era uma instituição de vanguarda, onde se discutiam programas como a extinção do
vestibular, tendo como proposta "dar ênfase à pesquisa científica e investigar os problemas brasileiros". Darcy Ribeiro, um dos responsáveis pela criação da UnB, pretendia que esta fosse a mais moderna e importante universidade do Brasil. Antônio de Pádua Gurgel, membro do movimento
estudantil de 60, escreveu em seu livro A rebelião dos estudantes que a UnB era uma organização não-governamental, livre e autônoma, com o objetivo de promover a cultura nacional na linha
de sua emancipação.

Participação de secundaristas
A agressão dos órgãos opressores também chegava às escolas do nível secundário. Entre estas, o Elefante Branco, um dos colégios com maior tradição de luta em Brasília, e a de maior destaque, o CIEM, laboratório pedagógico da Faculdade de Educação da UnB. Honestino Guimarães, grande líder e mártir do movimento estudantil de Brasília, desaparecido, foi aluno da primeira turma e ajudou a criar o Grêmio Estudantil.

O Centro era um caldeirão de líderes estudantis e foi fechado temporariamente por seu diretor, em 1966, "para preservar os alunos, contra os riscos decorrentes da exacerbação de ânimos própria de movimentos como este". Dos 28 estudantes do Conselho de Representantes expulsos do CIEM, todos tiveram a matrícula negada na UnB. Os alunos formados pelo CIEM eram vistos como inconvenientes na
universidade militarizada. O ofício impedindo a entrada desses alunos na universidade veio do chefe do
Sistema Nacional de Informações (SNI), o tenente-coronel José Olavo de Castro. O motivo? Por serem
"elementos subversivos aprovados no vestibular".

UnB invadida

Exatamente por fazerem parte da vanguarda estudantil, as manifestações ?subversivas? por várias vezes foram recebidas pelas autoridades militares com balas de borracha e cassetetes. Como em abril de 1964, quando a UnB foi invadida por tropas do Exército e da Polícia Militar de Minas Gerais. Nesse episódio, reitor, vice-reitor e o conselho diretor foram demitidos. Com a posse do novo reitor, Zeferino Vaz, 13 professores e um aluno foram expulsos sumariamente "por conveniência da administração".
Algum tempo depois, Vaz confessou: "Vim para a UnB colocado pela revolução de 1964, como interventor ou reitor". Naquela época, a ditadura e a reitoria se fundiam.

Em outubro de 1965, o presidente Castelo Branco empossou novo reitor, Laerte Ramos. Este, assim que assumiu o cargo, chamou o Exército e a Polícia Militar novamente para invadirem o campus. Arbitrariamente, sem acusação nem possibilidade de defesa, demitiu 16 professores. "Revoltados e
inseguros quanto a sua própria situação, outros 223 professores se demitiram. Com os 16 [...], constituíam 80% do corpo docente. Naquele ano não houve formatura" escreveu Gurgel.

Mas um dos piores episódios aconteceu em 20 de abril de 1967, quando da visita do embaixador americano John Tuthill que entregaria quatro mil livros à Biblioteca Central. Antes de começar a cerimônia, dezenas de agentes do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) já ocupavam
a UnB. Após entoarem versos como "Leite em pó, leite em pó que tu me deste, pra acabar com a fome do Nordeste. Leite em pó, leite em pó com coca-cola, obrigado pela esmola", 150 homens da PM e sete viaturas da Rádio Patrulha foram enviados para cercarem as saídas do local.

Os militares, com a ajuda de alguns professores, evacuaram todos os convidados do embaixador, confinando apenas os estudantes na biblioteca. "Pulando os balcões e as mesas, 40 homens
invadiram a biblioteca, distribuindo golpes de cassetete entre os que lá ficaram. [...] Nenhum estudante podia deixar o local, a não ser quando agarrado por algum policial e conduzido ao camburão. [...] a polícia levou da UnB cerca de 70 presos?" relembra Gurgel.

As repressões violentas seguiram, mas uma nova forma de reprimir também nascia: universitários eram
convidados e pagos para trabalhar no SNI delatando a atuação de seus colegas. Diariamente, estudantes eram convocados para depor no DOPS, até os que não participavam do movimento.

A força dos jovens nas "Diretas Já"

O Brasil vivia a ditadura militar e os presidentes eram indicados pelas forças armadas, e não escolhidos pelo povo. Foi então que em 1983, o senador Teotônio Vilela lançou a proposta de realizar
eleições diretas para presidente da República. Tomado pela ideia, o povo deu início ao movimento das Diretas Já. As manifestações populares a favor do voto direto começaram a tomar conta das principais cidades brasileiras. Na época, não só os jovens insatisfeitos com o cabresto político, mas toda uma população ia às ruas. Participaram frentes políticas de oposição ao regime ditatorial, além de lideranças sindicais, civis, artísticas, estudantis e jornalísticas.

Nas galerias da Câmara, no gramado da Esplanada dos Ministérios, nas ruas de todo o país, via-se a força da mobilização popular, que foi decisiva para o fim da ditadura militar. Após imensa pressão popular, foi votada pelo Congresso Nacional a proposta de Emenda Constitucional Dante de Oliveira - que propunha o restabelecimento das eleições diretas para presidente da República - foi rejeitada,
tendo como presidente eleito indiretamente, Tancredo Neves, em 1984. Em abril, a emenda obteve 298 votos a favor, 65 contra e 3 abstenções. Numa manobra de políticos aliados ao regime, não compareceram 112 deputados no dia da votação. Com isso, a emenda foi rejeitada novamente, por não alcançar o número mínimo de votos para a sua aprovação.

O governo também tentou boicotar as manifestações populares impedindo os participantes de acompanharem a votação. No fim da tarde do dia 25 de abril de 1984, houve um blecaute de energia em várias regiões do país. Na madrugada do dia 26, soldados em roupas civis jogaram bombas de
gás lacrimogêneo no meio da multidão que se aglomerava no gramado do Congresso Nacional. O exército ocupou a Esplanada dos Ministérios e impediu que os estudantes chegassem ao Congresso. Oficialmente estariam ali posicionados para proteger os prédios públicos de atos de desobediência
civil. Mas para a oposição, estes fatos foram mecanismos intimidatórios aplicados pelo governo militar para evitar possíveis surpresas na votação.

"A voz das diretas, um dos mais formidáveis movimentos de massa da história do Brasil", noticiaram grandes jornais na época. O movimento pelas Diretas Já teve grande importância na redemocratização do país. Suas lideranças passaram a formar a nova elite da política brasileira. Nos anos de 1980, o Brasil finalmente conquistou sua redemocratização, com a aprovação da Constituição Federal de 1988, e com a realização de eleições diretas para presidente em 1989.

Carapintadas tomam as galerias do Congresso

O movimento carapintadas surgiu no início da década de 1990, repentinamente, como um movimento amplo, mas sem base reivindicatória relacionada à universidade. Expressou um sentimento generalizado de indignação, face à corrupção no governo Collor de Mello, que tomava conta do país.
Os carapintadas lotaram as galerias do plenário do Congresso para assistir à sessão solene de posse de Itamar Franco, que sucederia o presidente deposto. Além disso, andaram por todas as salas
do Congresso, pintando as caras dos deputados e jornalistas. Mais de 200 mil adolescentes participaram do ato festivo pelo impeachment do presidente Collor no centro de São Paulo, no dia
25 de agosto de 1992, para uma festa apartidária.

Em Brasília, jovens desmentiram a fama de alienados e protestaram com alegria contra a corrupção. Marcaram presença, com faixas, cartazes, adesivos e muitos gritos de "Fora Collor". Alguns, sem dúvida, estavam ali pela farra. Outros tantos levaram esse momento a sério e acreditaram que o movimento estudantil estava renascendo, de cara nova. Estavam todos lá, dispostos a enfrentar sol ou chuva e tomar parte de um momento crucial da história do país.

Em crises anteriores, os jovens tiveram participação menos relevante, desde que o país saiu dos tempos escuros da ditadura. Foi preciso um escândalo de dimensões incontroláveis para que os jovens saíssem da apatia. Nas ruas, ou dentro de casa, com megafones, a juventude foi se mostrando
longe de ser transviada, de rebeldes sem causa, e voltou a ser ouvida.

Nos dias atuais Se antes havia um inimigo definido, uma luta concreta, atualmente, não há um algoz específico contra o qual o movimento estudantil deva lutar. Leandro Cerqueira, diretor da União Nacional dos Estudantes (UNE) de 2003 a 2007, diz que não se pode cair no erro ao analisar a história de maneira estática. Segundo ele, cada momento teve sua agenda específica, alguns com maior,
outros com menor polarização. "Falar que a UNE perdeu sua força é uma tentativa de tornar ilegítimas as entidades representativas como um todo. Quando houve o impeachment, falavam que os estudantes
estavam desmobilizados. Mas nós fomos os grandes responsáveis pela saída do Collor, provamos que éramos conscientes e participativos", defende.

Leandro afirma que a riqueza do movimento estudantil é que a UNE sempre conseguiu, em todos os governos, atuar com ousadia e independência, e que a entidade tem batido recordes de crescimento em todos os seus espaços. Como no Movimento Fora Arruda, no qual, segundo ele, os estudantes tiveram um papel protagonista na luta contra o ex-governador, antes de estourar a crise e após também. "Nós colocamos 500 estudantes na Esplanada em passeata contra libertação do Arruda. Ocupamos a nova sede da Câmara Legislativa em protesto à corrupção", diz Leandro, que acredita que a prisão histórica do primeiro governador em exercício do mandato se deve também à pressão do
movimento.





A nova bandeira da UNE é o "Pré-sal é nosso", pela qual reenvindicam 50% dos recursos para educação. "Para construirmos o país que queremos e diminuirmos a desigualdade social,
temos que assegurar que os recursos do fundo social sejam destinados à educação e aos investimentos maciços em pesquisa", diz Tiago Cardoso, atual diretor da UNE/DF.

Repressão em faculdades particulares

Sobrinho de Honestino Guimarães, Mateus Guimarães, estudante de jornalismo do Iesb, que é coordenador geral do Centro Universitário de Cultura e Arte (CUCA) da UNE, diz que se frustrou com o ambiente acadêmico no qual estava inserido. Segundo ele, a repressão nas faculdades privadas
atualmente é muito grande. Ele conta que assim que entrou na faculdade, em 2004, a rádio dos estudantes foi cortada pela direção para impedir os alunos de protestarem contra o aumento das
mensalidades. ?Nós fizemos um movimento para fundar o Diretório Central dos Estudantes (DCE) e articular por mais laboratórios, pesquisas e cursos de extensão. Depois de eleitos com 93%
dos votos, nos deparamos com a forte repressão da instituição, que cerceou várias atuações do DCE".

Segundo Mateus, cartazes do diretório eram arrancados, professores que os apoiavam eram ameaçados, e o diretor da UNE impedido de entrar na faculdade. Os seguranças tinham fotos
dos alunos envolvidos no movimento "para identificar os baderneiros". Mateus também afirma que ele e outros colegas foram agredidos fisicamente pelos seguranças da faculdade. O que ele tira de bom da repressão é que essa atitude fez com que os outros estudantes se conscientizassem da importância
do DCE, e esses passaram a fazer manifestações espontâneas. "Na época do Honestino, a união se consolidava num alvo mais visível: a ditadura. Hoje, enquanto a juventude incorpora a diversidade do país, as lutas mostram multifacetas. Por isso a importância de novas linguagens no movimento estudantil, antenadas com cultura e meio ambiente", conclui.