quinta-feira, 6 de agosto de 2009

A tromba entrevista Nelson Inocêncio/Por Luciano Lira

Consciência negra (cotas) - foi em meio a isso que sentei em uma aula do professor Nelson Inocêncio, que merece tal título, sobre arte negra. Sua proposta para entender tal manifestação artística enreda uma série de questionamentos já antes conceitualizados, um esmiuçamento das questões históricas que não foram levadas em conta, instigando o conhecimento de fato. E seu posicionamento não muda quando gentilmente nos cede essa entrevista:

N.I
.: "... E muitas coisas que dizem para gente, não o que tá explícito, mas o interdito não é? O que vem nas entrelinhas das coisas. Num país onde existem articulações, existem exemplos que são constituintes necessariamente para que se discuta TOLERÂNCIA, porque nós nos tornamos intolerantes, não é? Então, devemos baixar em outra freguesia, fazer outras abordagens..."
"(...)Como é que é isso né ? Um país que sempre teve regozijo de dizer que era o "paraíso das três raças", e por que é exatamente nesse país que a gente tem que estar discutindo essa intolerância? (risos) É contraditório, não é?! Na verdade isso mostra que passamos muito tempo seduzidos ou até entorpecidos por essa idéia de sociedade brasileira, que era muito mais uma idéia de um texto oficial que uma experiência vivida, o dia-a-dia das relações urbanas é marcado por outras experiência..."
Nelson vai falando de uma forma muito explicativa, frisando cada ponto diverso da questão, pela consciência de que o preconceito, a injustiça, vão além de um mero estranhamento de cor, mas antes, um enorme tendenciamento de nossa visão por interesses que não eram de todos.
O tempo todo rí enquanto destrincha essas atitudes absurdas, e seu riso nos faz, frente a um homem negro, que questiona tudo isso há tanto tempo, dimensionar o peso de todo esse tempo de coisas engolidas sem mastigar.
N.I.: "(...) Então, organicamente, tendo vínculo à organizações, eu tive pelo menos 16 anos atuando, quer dizer, não dá para falar das relações raciais entre negros e brancos sem tentar entender outras relações, porque se todo segmento, de alguma forma, é objeto de exclusão, ele precisa pensara si mesmo, e é preciso pensar as outras, inclusive para interagir com esses segmentos. Nos Estados Unidos na época em que eclodiu o feminismo, mulher operária apanhava, mulher de classe média apanhava, então cada um faria seu próprio movimento? NÃO!"
Porque as dores são diversas, mas o golpe é um só: quem interessa para o nosso modelo de sociedade, e quem só interessa pra falar de solidariedade. Nelson fala da posição partidária esquerdista que afirma a raiz do todo como que finca no solo das lutas de classe, de nossa ignorância e repelimento ao imperialismo, que pode gerar tantos movimentos de contra-cultura; o feminismo, os panteras negras, o Black Power, o prenúncio do que seria hoje o ambientalismo vindo com o movimento Hippie, o movimento dos homossexuais, etc.
"(...) Agora, o que eu acho fundamental é se entender que existem formas e fontes, e maneiras diferentes de preconceitos. A sociedade que a gente vive não é só uma sociedade racista, ela é uma sociedade que produz o racismo. Melhor dizendo, é homófoba, pela rejeição à qualquer cultura diferenciada, é também misógena, isso sem falar das outras intolerâncias..."
"Se a gente acha que os imigrantes europeus chegaram ao Brasil, foram importados e aquela coisa toda, e progrediram porque eram muito capazes, e os outros ficaram porque não o eram, isso tem um teor que é exemplo do que o racismo gera, porque, se nós acharmos que não há diferença de potencialidade, que não há diferença de compreensão, de articulação de raciocínio entre os seres humanos é devido o fato de se ter implantado na sociedade brasileira a evidência de que os brancos dominam. Das duas uma: ou você admite, como diz Caetano Veloso 'alguma coisa esta fora da ordem', ou então você vai achar 'não, há algo genético que os fazem mais capazes por isso'... Ou isso, ou a gente reconhece que as oportunidades não foram as mesmas para todas as pessoas."
"Hoje por exemplo, um segmento que é muito focado nos Estados Unidos é o de latinos, tanto quanto ou até mais que a da população negra, considerando que essas medidas são medidas, aí eu digo no caso específico das cotas, são medidas emergenciais e são temporárias, elas não existem para todo o sempre, elas na verdade tentam fazer correções dentro de um determinado período, então eu costumo dizer que não há concessões, dentro desse mundo capitalista em que você tem essa disputa acirrada pelo poder e ao mesmo tempo uma luta terrível pela sobrevivência, não existe concessões, existem estratégias de luta e possibilidades de avanço."

Nelson Inocêncio é professor do Instituto de Artes da Unb, coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiro (NEABE) e autor do livro Consciência Negra em Cartaz, publicado pala Editora da Unb, em junho de 2004.

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